Parte 1: Como foi desde o início
Entrando no segundo ano de sua reinauguração em serviço, temos muitas considerações de como se chegou à funcionalidade deste monumento. Sem considerações técnicas aprofundadas, isenta de dificuldades ao leigo entender, mas serve este esforço para o público em geral aprender mais um pouco, portanto para o valorizar mais ainda.
Toda obra especial de Engenharia fundamenta seu sucesso na concepção, ou seja, como foi pensada para se chegar até nossos dias. Assim, detalhes especiais do âmbito de especialistas revelam que seu projeto inicial era outro, que seu patriarca, Hercílio Luz, Engenheiro Civil, considerou muito pesado, portanto muito convencional, com isto, excessivamente caro. Contratou-se uma firma onde David Barnard Steinman, também engenheiro civil, mas um calculista atencioso, não comercial, capaz de ouvir as necessidades de outro confrade técnico, no caso, o governador. Começaram, deste modo, os processos de geração de qualidade para a nossa Ponte, e, por incrível que pareça, com custo muito menor e beleza—a característica fundamental desta maravilha—muito maior! Começaram os acertos. A Ponte foi pensada da maneira mais elegante, robusta mas esbelta e teve um mentor, Mister Steinman, desta qualidade; então criou a maravilha da época a ponte pendurada numa corrente, ou ponte pênsil.
A estrutura principal, que lhe dá a silhueta marcante, é a corrente constituída de sequência de elos alongados chamados de eyebar (barra de olho); isto porque suas extremidades têm perfurações que ao vulgo parecem olhos, por onde passa um pino que une as oito barras (de olho) quatro a quatro. Outra faceta eram as cargas: era uma ponte ferroviária, portanto cargas muito maiores que a passagem de caminhões supercarregados. Estes trens da integração interior do estado com a ilha capital nunca por ali transitaram. E tem detalhes de qualidade, agora estrutural, esquecido pelas diversas intervenções técnicas: para evitar o vento incidente de modo altamente danoso em pontes penduradas (o nome pênsil descaracteriza o fenômeno estrutural de vento lateral), Steinman colocou uma ligação entre os pendurais centrais. Criou, com este artifício de travejamento, uma treliça espacial que aumentou tremendamente a resistência da ponte ao vento e às tensões convencionais nas barras superiores e nas inferiores desta treliça, sem ter, contudo, meios de determinar o valor exato deste acréscimo de resistência. Estas orientações de tensões foram detectadas qualitativamente pelo Grupo de Análises de Tensões do EMC—GRANTE/UFSC.
Os problemas advindos da falta absoluta de manutenção adequada – apenas ações cosméticas de esconder a ferrugem – começaram a alarmar a população e as autoridades do governo. Veja o testemunho de nosso associado, Eng Abraham, que participou das primeiras ações da ACE, senão as de maior relevância para trabalhos técnicos na Ponte:
Desde 1982, pouco depois da interdição da PHL, a ACE vinha debatendo sua reforma, tendo em vista a importância da mobilidade ilha-continente e de a ponte ter sido declarada patrimônio cultural da humanidade. Em 1996, a ACE realizou um grande seminário para debater as causas do rompimento do olhal de uma das barras de sustentação e as alternativas técnicas viáveis para a recuperação. Infelizmente, o descaso de vários governos fez com que a ponte ficasse na lista das obras abandonadas por mais de 3 décadas. Some-se a isto o fato de que a PHL nunca sofreu uma manutenção realmente adequada, por isso o custo da recuperação aumentou consideravelmente. Somente em 2011 a ACE conseguiu fazer parte da equipe técnica de acompanhamento da obra de recuperação, que estava na época para ser iniciada. Sentimo-nos muito orgulhosos por termos participado dessa obra monumental de engenharia.
Parte 2: O problema e considerações
Entretanto, as autoridades se moveram entorno de algo que serviu muito bem para alarmar, pois havia materialidade: rachadura numa das barras da corrente, justo no olho da ligação.
Mas, estas barras foram feitas nos Estados Unidos num forno pequeno demais, ou seja, curto demais para as longas barras; deste modo se precisava fazer a retirada de cada uma das barras a cada etapa de têmpera do aço e recolocá-las de volta a ponta que ficou para fora do tratamento térmico. Isto provocou dilatações diferenciadas entre as barras ou comprimentos desiguais em cada uma das quatro barras que se encontravam no pino de união das oito; então, foi preciso marretar o pino para perpassar a todas oito. Por ocasião da reforma recentíssima, na recolocação das barras novas, a empresa portuguesa não conseguiu retirar nenhum destes conjuntos antigos. Isto foi causado tanto pelo esforço de fazer o pino de união entrar no “olho”, como também pelo efeito da flexibilidade permitida desta ligação rotulada, características da “corrente” que causou desgaste ao longo do pino que transformou a rótula flexível em engaste. Este problema de enrijecimento da corrente seria um grave indicador de comportamento estrutural anômalo, ou risco de colapso imprevisível.
Outro problema surgido imprevistamente e pouco abordado publicamente, foi o desgaste acentuadíssimo pela corrosão da estrutura de apoio do tabuleiro onde passavam os veículos. Durante as visitas àquelas partes, notou-se corrosão intensa que poderia causar uma ruptura localizada de parte desta estrutura com danos a quem estivesse trafegando. Mas, sem comprometimento geral, ou sem o poder de fragilizar a estrutura principal.
Mas, uma situação que ficou impossibilitada de analisar frente ao grande impacto na estrutura como um todo, foram os pendurais que seguravam em intervalos contínuos a corrente. Com nunca se notou ou se reportou qualquer ação de manutenção, poderiam estar no limite de resistência, pois dificilmente foram protegidos à corrosão. Bastava um deles se romper que um provável efeito dominó poderia levar a Ponte ao colapso em pouco tempo. Tudo se centrou numa aparente causa, rompimento de uma barra “de olhal”. Em verdade, se olhou demais o efeito, mas nunca as causas. E é aqui que vai o principal deste artigo. Porque houve ruptura de uma destas barras? A corrente estava sendo segura por apenas uma destas barras, a mais curta das oito encontrantes em muitos nós, como se mostrou acima no seu processo de tratamento térmico. No Mestrado de Hayashi (2012, UFSC) se descrevia que quando ventava forte, o conjunto restante de três barras (as mais compridas) estava frouxo, então chacoalhavam tanto, que os operários se assustavam. Porque a ponte não desabou quando um conjunto de barras de olho trincou? Exatamente pela sobra de carga que deveria passar na ponte, pois nunca passou a carga ferroviária projetada; para desabar deviam se romper os outros três conjuntos de barra de olho. Se um rompeu, a carga passou para a outra dupla de barras no mesmo pino. Na dita ponte gêmea (Silver Bridge) construída nos Estados Unidos, existia apenas um par de barras por corrente e o tráfego de projeto ocorria todo dia, forçando o detalhe descuidado do furo do olho na barra. Quando rachou um olho, deslocou o nó da corrente, o pino sofreu mais um esforço adicional e se rompeu; rompendo um elo da corrente e a ponte caiu, totalmente. Esta ponte tinha fatores que a descaracterizariam como gêmea da Ponte Hercílio Luz: não tinha treliça central, não era ferroviária e só tinha duas barras de olho de cada lado do pino, ao contrário da nossa, que tinham quatro. Não eram gêmeas, portanto. A Ponte Hercílio Luz sempre foi subavaliada estruturalmente. Ela é também uma maravilha do segmento pontes e depositária de muita tecnologia, haja vista sua vitória sobre a falta de manutenção.
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