HISTÓRIA DA ACE
ACE – Associação Catarinense de Engenheiros - o grande órgão emulador
Fundada no ano de 1934, a ACE traz no pioneirismo uma de suas principais marcas. Sob o signo da Nova Constituição Brasileira, votada e promulgada naquele ano, a ACE representava a percepção da sociedade quanto aos direitos individuais e da necessidade de lutar, em conjunto, pelos pleitos coletivos das diversas classes profissionais. O associativismo vivia dias de grande impulso e, em terras catarinenses, 26 engenheiros se unirampara fundar uma entidade que os representasse: surgia a ACE. Esse foi o embrião de todo o sistema organizacional da engenharia em Santa Catarina, sendo originários dessa iniciativa a formação do CONFEA, do CREA e dos Sindicatos de classe. Todos os movimentos que hoje fortalecem a respaldam o exercício da engenharia em Santa Catarina, e seu reflexos na sociedade catarinense tem a sua origem no mérito da criação da ACE. Desde a fundação aos dias atuais são 80 anos de profícuo trabalho em prol do engrandecimento da profissão e dos seus profissionais.
1934
Tempo de pioneirismo - surge a ACE
Presidentes dessa década:
Oscar de Oliveira Ramos
Haroldo Paranhos Pederneiras
Ao tempo de 1934, o Instituto Politécnico de Florianópolis estava instalado numa vetusta edificação de 682 m2,com dois pavimentos e porão alto, construído em alvenaria de tijolo autoportante, com três telhados de quatro águas e telha cerâmica do tipo francesa. “Suas características arquitetônicas filiavam-se ao ecletismo, possuindo composição arquitetônica com uma volumetria simétrica, apresentando corpo central mais alto e alas laterais idênticas entre si" segundo descrição de Fátima Althoff em publicação da Fundação Catarinense de Cultura sobre esse tema. A autora continua descrevendo a construção “A fachada principal foi concebida com variação volumétrica no corpo central do edifício e nas suas extremidades. Os pavimentos são identificados pelas marcações dos elementos decorativos horizontais como frisos, cimalhas e platibandas. A entrada principal do edifício localiza-se no corpo central e é marcada por uma portada guarnecida por gradil. Logo acima, no mesmo volume central, encontra-se uma porta-janela que se abre para um balcão balaustrado sustentado por consoles. Completa-se a composição do vão central com uma abertura superior em forma semi-circular envidraçada, ornamentação em estuque na forma de rosáceas, floretes e ramagens. Internamente, o saguão de entrada possui forro de madeira em "caixote" e todo o piso térreo possui piso em ladrilho hidráulico com motivos geométricos. O primeiro pavimento possui assoalho sobre barroteamento e forro de madeira em "saia e camisa". Já a análise arquitetônica da edificação situada à Rua Visconde de Ouro Preto revela o uso residencial. A linguagem arquitetônica remonta ao estilo da típica residência colonial, porém alguns traços - como o uso de cimalha e a diferenciação de aberturas, algumas com verga em arco abatido e outras com verga reta - anunciam um ecletismo.”
Foi nesse edifício que iniciou o estudo acadêmico superior em Santa Catarina. Em 1909 o então governador de Santa Catarina, Coronel Gustavo Richard, assinara lei autorizando o Poder Executivo a criar faculdades livres de Farmácia, Odontologia e Obstetrícia na capital Florianópolis, mas apenas em 1917 criou-se o Instituto Politécnico, através da lei no 1.169, durante a administração estadual de Felipe Schmidt com o objetivo dessa instituição abrigar esses cursos.Segundo Rosa (1982), o governador teria destinado, na ocasião da criação do instituto, uma subvenção de seis contos de réis para auxiliar na sua manutenção. A instituição contou com o apoio de ilustres cidadãos locais e José Boiteux, historiador e político catarinense, com importantes realizações no campo cultural, foi um dos seus principais idealizadores e fundadores.Essa iniciativa de construção do ensino superior em Santa Catarina a partir desses cursos não obteve o sucesso esperado. Os motivos apontados por Vieira (1983, p.68) revelam que a formação oferecida pelo instituto não teve a receptividade por não seguir “a velha tradição dos cursos superiores vigentes no Brasil por aquela época – advocacia, medicina e engenharia civil”. Em 1935, devido essas razões, e ainda por falta de recursos financeiros, o instituto encerrou suas atividades passando a denominar-se Escola de Comércio de Santa Catarina.
Entretanto, outro fato de renomado valor histórico teria como sede esse mesmo edifício, hoje existente apenas na memória dos mais antigos. Foi ali que no dia 24 de maio de 1934, um grupo de 26 engenheiros criou a Associação Catarinense de Engenheiros. O ato simbolizava a busca pelo ideal da liberdade de expressão, da legítima proteção corporativa e um reflexo das convulsões políticas que agitavam o país.
Presentes aquela tão histórica quanto inesquecível reunião estavam: Oscar de Oliveira Ramos, Vasco Henrique d’Ávila, José Rache, Celso León Salles, José Luiz Bottini, Cid Rocha Amaral, Annes Gualberto, Luiz Bernhauss de Lima, José da Costa Moellmann, João Acácio Gomes de Oliveira, Germano de Oliveira, Afonso Cardoso da Veiga, Carlos Beren Júnior, Salvador Poeta, UdoDeeke, Newton Costa, Ivo CauduroPiccoli, Oriando de Oliveira Goeldner, Haroldo Paranhos Pederneiras, Sílvio de Miranda Freitas, Manoel Issler Vieira, Baptista Linhares da Silva, Paulo Diniz Carneiro, João Eduardo Moritz, Avídio Mello e Roberto Garrido Portela. Estabelecendo como sua principal missão a defesa dos interesses dos engenheiros, principalmente quanto à remuneração e valorização da profissão, os profissionais presentes aquele histórico momento souberam escrever, com as tintas do idealismo, uma boa parte da recente história econômica e social do Estado de Santa Catarina.
Importante destacar que o ano de 1934 foi emblemático para o Brasil. Getúlio Vargas governava com mãos de ferro e uma mal disfarçada ditadura que, nos anos de 1932 e 1933 encontrara ferrenhos combatentes, gerando revoltas internas de tal gravidade que levaram o então presidente a tomar uma série de atitudes para apaziguar os ânimos. Assim é que, já no início do ano, no dia 23 de janeiro,assinou o decreto n° 23.793, que aprovou o primeiro Código Florestal Brasileiro. Alguns meses depois foi promulgado o decreto que criou o Instituto Nacional de Estatística, atual IBGE, ambos órgãos que afetariam significativamente o status quo brasileiro nas décadas seguintes, com óbvios reflexos sobre diversas atividades ligadas a engenharia. Porém os atos mais significativos para a política brasileira e o futuro da nação ocorreriam no mês de julho, quando a terceira Constituição brasileira foi promulgada pela Assembleia Nacional Constituinte e Getulio Vargas re- eleito Presidente do Brasil pelo voto indireto da mesma Assembleia Nacional Constituinte.
Foi nesse contexto ambíguo da luta entre a liberdade e o ditatorialismo que levaria à promulgação do Estado Novo, em poucos anos, que aqueles profissionais resolveram buscar respeito e representatividade para a sua profissão. Em consonância com a agitação política que grassava pelo país, e com o acirramento do desejo de liberdade de expressão que se espalhava por todo o território nacional, decidiram unir-se em defesa de suas necessidades e anseios.
Reunidos, os jovens idealistas discutiam os aspectos básicos pertinentes à existência de uma entidade como aquela e a mais premente das necessidades iniciais era, obviamente, um nome que distinguisse a agremiação. Foi Ivo CauduroPicolli quem sugeriu o nome que foi imediatamente aclamado por todos:
Num primeiro momento, o Engenheiro Oscar de Oliveira Ramos se ofereceu para ocupar o cargo temporário de presidente, enquanto eram tomadas todas as providências necessárias à formação e adequado funcionamento de uma entidade de classe, ou seja, elaboração de estatuto, formação da estrutura básica inicial e tramitação para a uma eleição oficial da primeira diretoria. Para elaboração do estatuto foram escolhidos Ivo CauduroPiccoli, Haroldo Paranhos Pederneiras e Raul Olympio Bastos.
A ata, elaborada na ocasião, e que registra de forma simples e objetiva o que foi tratada, tem o seguinte texto na íntegra:
“ATA N. 01
A presente ata é relativa a fundação, nessa cidade de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, da Associação Catarinense de Engenheiros, nos moldes da legislação federal, que disciplina o exercício das profissões liberais.
Aos vinte e quatro dias do mês de maio do ano de hum mil novecentos e trinta e quatro, no edifício do Instituto Politécnico de Florianópolis, as dezessete horas, presentes os engenheiros: Oscar de Oliveira Ramos, Vasco Henrique d’Ávila, José Rache, Celso León Salles, José Luiz Bottini, Cid Rocha Amaral, Annes Gualberto, Luiz Bernhauss de Lima, José da Costa Moellmann, João Acácio Gomes de Oliveira, Germano de Oliveira, Afonso Cardoso da Veiga, Carlos Beren Júnior, Salvador Poeta, UdoDeeke, Newton Costa, Ivo CauduroPiccoli, Oriando de Oliveira Goeldner, Haroldo Paranhos Pederneiras, Sílvio de Miranda Freitas, Manoel Issler Vieira, Baptista Linhares da Silva, Paulo Diniz Carneiro, João Eduardo Moritz, Avídio Mello e Roberto Garrido Portela para o fim de organizarem um núcleo profissional, para defesa da classe, de conformidade com a legislação em vigor. A Assembléia resolveu, preliminarmente, escolher uma diretoria provisória para orientar os trabalhos. A escolha recaiu nos senhores engenheiros: Oscar de Oliveira Ramos, para Presidente; Vasco Henrique D´Ávila, para secretário e UdoDeeke, para tesoureiro.
Assim constituída a primeira diretoria provisória, passou-se a discutir a escolha do nome a dar-se a novel agremiação. Pelo Sr. Engenheiro Ivo Piccoli, foi proposta e aceita, por unanimidade, a denominação de Associação Catarinense de Engenheiros .
Em seguida, prosseguindo os trabalhos sob a orientação da mesa provisória, que agradeceu a distinção da escolha por meio do seu presidente, foi resolvida a constituição de uma comissão de engenheiros para a elaboração do estatuto. A aludida comissão, que é composta de três membros, ficou assim constituída: Ivo CauduroPiccoli, Haroldo Paranhos Pederneiras e Raul Olympio Bastos A assembléia resolveu também, que se telegrafasse ao Senhor Henrique Pereira Neto, presidente do Conselho de Engenheiros e Arquitetos de Porto Alegre, comunicando a fundação desse grêmio e congratulando-se com o início dos trabalhos dos Conselho de Engenheiros de Porto Alegre. O telegrama foi imediatamente redigido pelo secretário e entregue ao Telégrafo Nacional para a sua expedição.
Após vibrantes palavras proferidas pelo presidente provisório, de congratulações com a classe por tão auspicioso acontecimento, foi encerrada a presente sessão, marcando-se outra para o dia vinte e seis do corrente, as quatorze horas, para discussão a provação dos estatutos, cujo anteprojeto foi confiado a comissão acima referida, passando-se logo após a eleição da diretoria definitiva.
A presente ata de fundação por mim, secretário provisório, redigida, vai por todos os engenheiros presentes assinada, depois de lida, aprovada e achada conforme.”
Bastaram apenas alguns dias de vivência corporativa para que se agigantasse a figura de Haroldo Paranhos Pederneiras como personalidade mais do que adequada para presidir, oficialmente, a recém nascida ACE. Era profissional altamente engajado com as questões do meio ambiente, profundo conhecedor de solos e pavimentação e havia, acima de tudo, sido inspetor e responsável pela construção da monumental Ponte Hercílio Luz, um dos marcos arquitetônicos mais importantes do Brasil. Sempre presente as discussões oficiais a respeito das grandes questões urbanas do estado, foi elemento decisivo na formulação do Plano Energético de Santa Catarina, doPlano Rodoviário do Estado e na discussão do Plano Diretor de Florianópolis. Tanto que publicaria, em 1938, um livro denominado “Plano Rodoviário Catarinense”, demonstrando todo o seu conhecimento a respeito desse complexo tema.
Seusprimeirosmandatos abrangeram os anos de 1934 até 1945, mas ele ainda retornaria ao cargoalgumas décadas depois.
Nesses incipientes primeiros tempos, o que de mais efetivo a entidade podia fazer era, por assim dizer, “comprar as brigas” de uma classe ainda pouco reconhecida e valorizada, apesar de sua cabal importância para o desenvolvimento da sociedade como um todo. A condição política do Brasil também não era das mais tranqüilas. Em março de 1935 foi criada no Brasil a Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização política cujo presidente de honra era o líder comunista Luís Carlos Prestes. Inspirada no modelo das frentes populares que surgiram na Europa para impedir o avanço do nazi-fascismo, a ANL defendia propostas nacionalistas e tinha como uma de suas bandeiras a luta pela reforma agrária. Embora liderada pelos comunistas, conseguiu congregar os mais diversos setores da sociedade e rapidamente tornou-se um movimento de massas. Muitos militares, católicos, socialistas e liberais, desiludidos com o rumo do processo político iniciado em 1930, quando Getúlio Vargas, pela força das armas, assumira a presidência da República, aderiram ao movimento.Com sedes espalhadas em diversas cidades do país e contando com a adesão de milhares de simpatizantes, em julho de 1935, apenas alguns meses após sua criação, a ANL foi posta na ilegalidade. Ainda que a dificuldade para mobilizar adeptos tenha aumentado, mesmo na ilegalidade a ANL continuou realizando comícios e divulgando boletins contra o governo. Em agosto, a organização intensificou os preparativos para um movimento armado com o objetivo de derrubar Vargas do poder e instalar um governo popular chefiado por Luís Carlos Prestes. Iniciado com levantes militares em várias regiões, o movimento deveria contar com o apoio do operariado, que desencadearia greves em todo o território nacional.O primeiro levante militar foi deflagrado no dia 23 de novembro de 1935, na cidade de Natal. No dia seguinte, outra sublevação militar ocorreu em Recife. No dia 27, a revolta eclodiu no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Sem contar com a adesão do operariado, e restrita às três cidades, a rebelião foi rápida e violentamente debelada. A partir daí, uma forte repressão se abateu não só contra os comunistas, mas contra todos os opositores do governo. Milhares de pessoas foram presas em todo o país, inclusive deputados, senadores e até mesmo o prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto Batista.A despeito de seu fracasso, a chamada revolta comunista forneceu forte pretexto para o fechamento do regime. Depois de novembro de 1935, o Congresso passou a aprovar uma série de medidas que cerceavam seu próprio poder, enquanto o Executivo ganhava poderes de repressão praticamente ilimitados. Esse processo culminou com o golpe de Estado de 10 de novembro de 1937, que fechou o Congresso, cancelou eleições e manteve Vargas no poder. Instituiu-se assim uma ditadura no país, o chamado Estado Novo, que se estendeu até 1945.